domingo, 6 de outubro de 2024

André Texugo: o interesse pelo passado traçou-lhe o futuro

  

André Texugo: o interesse pelo passado traçou-lhe o futuro
  André Texugo foi o impulsionador das descobertas arqueológicas na Ota  

Após viver nove anos em Lisboa, o arqueólogo André Texugo regressou à Ota, Alenquer, onde pode voltar a ver todos os dias o castro da janela de sua casa. Desde infância que é fascinado pelo canhão cársico da Ota, classificado como paisagem protegida de âmbito local. O pai levava-o a passear naquela zona e mais tarde começou a ir com os amigos e a recolher materiais. As tardes e noites eram passadas naquele território.
Quando terminou o ensino secundário disse aos professores que ia para Direito, até porque tinha preconceito em relação à profissão de arqueólogo. Mudou de ideias quando acompanhou uma escavação que ocorreu na Igreja de Ota e seguiu Arqueologia. Concluída a licenciatura fez um trabalho sobre cerâmica decorada. Depois, impulsionado por um projecto do orçamento participativo, liderado pelo professor José Carlos Morais, fez a tese de mestrado sobre a Ota, iniciou as primeiras prospecções em 2016 e recolheu materiais.
“A partir daí sigo com a minha vida profissional mas tenho uma frustração. Era saber que havia muito mais do que aquilo que estava a ver. O local tinha vegetação, carrascos e pinheiros, mas nessa frustração surge a tecnologia de drones, com um feixe infravermelho com capacidade para penetrar na vegetação e fazer a leitura do topo do terreno”, conta. Assim que soube que a tecnologia era implementada nas Pirâmides Maias quis avançar para o doutoramento e partir para novas descobertas. Contactou com docentes de outras áreas e com quem tinha acesso ao equipamento.

Escavações na Ota revelam achados pré-históricos
O projecto na Ota começou em 2019 e André Texugo e Ana Catarina Basílio financiaram as escavações. Desembolsaram 3 mil euros do próprio bolso e só conseguiram apoio de 500 euros. Em Agosto do mesmo ano foram notícia na imprensa porque descobriram nas margens do rio Ota uma muralha com cerca de cinco mil anos, da era do calcolítico. Após a exposição mediática conseguiram financiamento para a campanha e o arqueólogo ganhou uma bolsa atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
No primeiro ano estiveram no terreno seis arqueólogos/estudantes de arqueologia portugueses e espanhóis. No segundo ano já eram doze. “Aquele sítio tem várias ocupações, do calcolítico, neolítico, materiais da idade do bronze, do período romano e pontualmente do período medieval islâmico e cristão e nada estava explorado, tirando as recolhas do Hipólito Cabaço, mas que não tinha nada escrito do Canhão Cársico da Ota. Mas o período cronológico com mais impacto foi o pré-histórico. As pessoas ficaram ali um período largo no tempo, mas não sabemos se ficavam todo o ano, sabemos sim que tinham mobilidade”, explica.
Na tese de mestrado dedicou um capítulo a reflectir no “amor intenso” que tem pelo local e sublinha que o seu projecto de vida é conhecer as populações que viveram na Ota. Os artefactos que descobriu estão à sua guarda, com conhecimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo e do Património Cultural I.P. Após a tese de doutoramento, que tenciona defender em 2025, entrega o material ao depósito arqueológico acompanhado da informação que produziu. Mas gostava que as descobertas ficassem em Alenquer, no Museu Hipólito Cabaço.
André Texugo diz que o projecto arqueológico na Ota sempre teve adesão da comunidade e que a população tem interesse em dar continuidade às descobertas. Prova disso é o centro interpretativo recentemente inaugurado (ver caixa). Hoje o arqueólogo tem uma cooperativa e trabalha com uma equipa, é investigador do Centro de Estudos Geográficos, entidade que colabora no projecto, tal como a Universidade de Coimbra e o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.

“Não quero ser eu o próximo a dirigir o projecto na Ota, preciso que seja visto por outros olhos. Gostava de passar o projecto para uma pessoa competente de outro período cronológico, romano por exemplo. No último ano de escavações, em 2022, já ia ser passado o testemunho a um espanhol, o Pablo de Oro, mas a campanha ficou inviabilizada por causa dos incêndios”, conta. “Vale a pena ser arqueólogo em Portugal. Temos falta de arqueólogos e é uma profissão bem paga pelos empreiteiros e donos de obra, para fazer os trabalhos arqueológicos obrigatórios por lei”, conclui.

  Canhão Cársico de Ota foi formado há 150 milhões de anos  

Centro de Interpretação do Canhão Cársico da Ota é uma realidade

O Centro de Interpretação do Canhão Cársico da Ota, uma formação natural com mais de 150 milhões de anos, foi inaugurado pelo município de Alenquer no dia 26 de Setembro. Tem espaços dedicados à geodiversidade, arqueologia e biodiversidade da área, bem como a projectos de conservação, incluindo a protecção da águia-de-bonelli e o estudo de insectos polinizadores e borboletas nocturnas.
Esta área natural de 316 hectares, classificada como Monumento Nacional Local desde 2019 e integrante da Rede Nacional de Áreas Protegidas desde 2022, é considerada um dos mais notáveis vales calcários de Portugal. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas destaca o canhão como uma das formações geomorfológicas mais interessantes do país, com escarpas verticais e cones de cascalheiras, originadas por erosão flúvio-cársica.
O vale cársico da Ota possui 11 tipos de habitats e abriga uma fauna diversa, incluindo várias espécies de aves. Foi formado no contexto da separação dos continentes e da abertura do Atlântico Norte, existindo no local fósseis marinhos, como corais extintos, e apresenta várias formações rochosas características, como grutas e algares.

Caneca do século XVIII com canção de Marinheiros

Parte de uma caneca do século XVIII, com uma canção impressa em inglês, é um dos achados que André Texugo destaca. A descoberta aconteceu no meio do lixo, na sede da EDP, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa. “Desiludo as pessoas sempre que conto isto, porque já encontrei coisas fantásticas mas para mim o melhor achado foi esta caneca. Descobri depois que era uma canção de marinheiros e que tinha estado dentro de um barco. Consegui contar a história daquelas pessoas”, diz.

Fonte: O MIRANTE

 

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