
Após
 viver nove anos em Lisboa, o arqueólogo André Texugo regressou à Ota, 
Alenquer, onde pode voltar a ver todos os dias o castro da janela de sua
 casa. Desde infância que é fascinado pelo canhão cársico da Ota, 
classificado como paisagem protegida de âmbito local. O pai levava-o a 
passear naquela zona e mais tarde começou a ir com os amigos e a 
recolher materiais. As tardes e noites eram passadas naquele território.
 
Quando terminou o ensino secundário disse aos professores que ia 
para Direito, até porque tinha preconceito em relação à profissão de 
arqueólogo. Mudou de ideias quando acompanhou uma escavação que ocorreu 
na Igreja de Ota e seguiu Arqueologia. Concluída a licenciatura fez um 
trabalho sobre cerâmica decorada. Depois, impulsionado por um projecto 
do orçamento participativo, liderado pelo professor José Carlos Morais, 
fez a tese de mestrado sobre a Ota, iniciou as primeiras prospecções em 
2016 e recolheu materiais. 
“A partir daí sigo com a minha vida 
profissional mas tenho uma frustração. Era saber que havia muito mais do
 que aquilo que estava a ver. O local tinha vegetação, carrascos e 
pinheiros, mas nessa frustração surge a tecnologia de drones, com um 
feixe infravermelho com capacidade para penetrar na vegetação e fazer a 
leitura do topo do terreno”, conta. Assim que soube que a tecnologia era
 implementada nas Pirâmides Maias quis avançar para o doutoramento e 
partir para novas descobertas. Contactou com docentes de outras áreas e 
com quem tinha acesso ao equipamento.
Escavações na Ota revelam achados pré-históricos 
O
 projecto na Ota começou em 2019 e André Texugo e Ana Catarina Basílio 
financiaram as escavações. Desembolsaram 3 mil euros do próprio bolso e 
só conseguiram apoio de 500 euros. Em Agosto do mesmo ano foram notícia 
na imprensa porque descobriram nas margens do rio Ota uma muralha com 
cerca de cinco mil anos, da era do calcolítico. Após a exposição 
mediática conseguiram financiamento para a campanha e o arqueólogo 
ganhou uma bolsa atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. 
No
 primeiro ano estiveram no terreno seis arqueólogos/estudantes de 
arqueologia portugueses e espanhóis. No segundo ano já eram doze. 
“Aquele sítio tem várias ocupações, do calcolítico, neolítico, materiais
 da idade do bronze, do período romano e pontualmente do período 
medieval islâmico e cristão e nada estava explorado, tirando as recolhas
 do Hipólito Cabaço, mas que não tinha nada escrito do Canhão Cársico da
 Ota. Mas o período cronológico com mais impacto foi o pré-histórico. As
 pessoas ficaram ali um período largo no tempo, mas não sabemos se 
ficavam todo o ano, sabemos sim que tinham mobilidade”, explica.
Na 
tese de mestrado dedicou um capítulo a reflectir no “amor intenso” que 
tem pelo local e sublinha que o seu projecto de vida é conhecer as 
populações que viveram na Ota. Os artefactos que descobriu estão à sua 
guarda, com conhecimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento 
Regional de Lisboa e Vale do Tejo e do Património Cultural I.P. Após a 
tese de doutoramento, que tenciona defender em 2025, entrega o material 
ao depósito arqueológico acompanhado da informação que produziu. Mas 
gostava que as descobertas ficassem em Alenquer, no Museu Hipólito 
Cabaço. 
André Texugo diz que o projecto arqueológico na Ota sempre 
teve adesão da comunidade e que a população tem interesse em dar 
continuidade às descobertas. Prova disso é o centro interpretativo 
recentemente inaugurado (ver caixa). Hoje o arqueólogo tem uma 
cooperativa e trabalha com uma equipa, é investigador do Centro de 
Estudos Geográficos, entidade que colabora no projecto, tal como a 
Universidade de Coimbra e o Instituto de Geografia e Ordenamento do 
Território da Universidade de Lisboa.
“Não quero ser eu o próximo a dirigir o projecto na Ota, preciso que seja visto por outros olhos. Gostava de passar o projecto para uma pessoa competente de outro período cronológico, romano por exemplo. No último ano de escavações, em 2022, já ia ser passado o testemunho a um espanhol, o Pablo de Oro, mas a campanha ficou inviabilizada por causa dos incêndios”, conta. “Vale a pena ser arqueólogo em Portugal. Temos falta de arqueólogos e é uma profissão bem paga pelos empreiteiros e donos de obra, para fazer os trabalhos arqueológicos obrigatórios por lei”, conclui.
Centro de Interpretação do Canhão Cársico da Ota é uma realidade
O
 Centro de Interpretação do Canhão Cársico da Ota, uma formação natural 
com mais de 150 milhões de anos, foi inaugurado pelo município de 
Alenquer no dia 26 de Setembro. Tem espaços dedicados à geodiversidade, 
arqueologia e biodiversidade da área, bem como a projectos de 
conservação, incluindo a protecção da águia-de-bonelli e o estudo de 
insectos polinizadores e borboletas nocturnas.
Esta área natural de 
316 hectares, classificada como Monumento Nacional Local desde 2019 e 
integrante da Rede Nacional de Áreas Protegidas desde 2022, é 
considerada um dos mais notáveis vales calcários de Portugal. O 
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas destaca o canhão 
como uma das formações geomorfológicas mais interessantes do país, com 
escarpas verticais e cones de cascalheiras, originadas por erosão 
flúvio-cársica.
O vale cársico da Ota possui 11 tipos de habitats e 
abriga uma fauna diversa, incluindo várias espécies de aves. Foi formado
 no contexto da separação dos continentes e da abertura do Atlântico 
Norte, existindo no local fósseis marinhos, como corais extintos, e 
apresenta várias formações rochosas características, como grutas e 
algares.
Caneca do século XVIII com canção de Marinheiros
Parte de uma caneca do século XVIII, com uma canção impressa em inglês, é um dos achados que André Texugo destaca. A descoberta aconteceu no meio do lixo, na sede da EDP, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa. “Desiludo as pessoas sempre que conto isto, porque já encontrei coisas fantásticas mas para mim o melhor achado foi esta caneca. Descobri depois que era uma canção de marinheiros e que tinha estado dentro de um barco. Consegui contar a história daquelas pessoas”, diz.
Fonte: O MIRANTE

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